E DO NADA SURGE A GLÓRIA
Max Wolff


O potro BRANDING, com Hector Pádula, faz o cânter prévio ao GP Int. Carlos Pellegrini de 1952

LOS CURROS (ARG), 1951, era um fornido alazão por Churrinche (Congreve) em égua Pont L’Eveque descendente da grande matriarca Venusta (GB), 1879. Oriundo do melhor criatório já havido neste continente, o Haras Ojo de Agua, em Balcarce, Argentina; foi potro de primeira fila: runner up no GP Nacional e ganhador do Clásico Palermo, na milha. Certamente teve curta campanha por problemas físicos, e assim, sem maior prestígio de pista fora levado a cobrir num minúsculo haras do interior bonairense onde alcançou a cobrir tão somente duas éguas medíocres.
Dessa forma, nasceram em 1956, Los Churros, castanho e Don Poggio, alazão; de éguas filhas de nacionais de pouca expressão. Tão ruins eram essas matrizes que depois, levadas a reproduzir com outros reprodutores nada de útil geraram. Os modestos potros devem ter sido bem nutridos, pois os registros fotográficos de Don Poggio nos mostram um animal próximo à perfeição, grande, sólido e forte. Naqueles profícuos anos 50 (sem dúvida os melhores da criação sul-americana) e sucedendo a era Yatasto, os dois potros se sobressaíram na numerosa e já internacional criação argentina. Los Churros ganhou clássico em Buenos Aires, e levado ao Uruguai ganhou lá o Clásico Carlos Pellegrini, em 2.500m e foi 3º na revanche do Ramírez, no GP Municipal de 1960.
Já Don Poggio foi cavalo internacional da primeira tropa. Em casa ganhou o GP Internacional Dardo Rocha e outros clássicos; exportado aos EUA lá ganhou 4 clássicos que hoje são G.1, tendo sido 2º para Kelso na Jockey Club Gold Cup, superando dentre outros a Bald Eagle. Don Poggio foi ainda um honesto reprodutor no norte, tendo produzido duas éguas clássicas de Grupo.
BURUDUN (ARG), 1939, ao que parece sem campanha - ao menos sem campanha clássica - era filho do bom Badruddin, esse simplesmente um filho de Blandford na Mumtaz Mahal. Por alguma razão Burudun fora levado à reprodução onde  em seis anos teve uma progênie de tão somente  14 indivíduos, portanto uma média que não chega a três nascimentos ao ano. Era de propriedade de Carlos Lienfield, amigo do já ancião eterno Presidente do Jockey Club Argentino, Félix S. de Álzaga Unzué. A esse produziu, no ventre de uma medíocre filha do ordinário francês Ipé; um potro de médio tamanho e irretocável frente, todavia de garupa curta e inclinada. Tal potro, nascido em 1949, fora batizado BRANDING (ARG) e mantém-se na memória dos mais observadores burreros locais por duas razões: a peculiar pelagem de alazão ruão, com crinas realmente brancas; e o fato de ter vencido o imortal Yatasto e Sideral no GP Internacional Carlos Pellegrini de 1952 (para assisti-lo: https://www.youtube.com/watch?v=cXQV6_Lg5p8).
Branding, emergiu como um potro líder no Hipódromo de La Plata e sem maiores pretensões nos hipódromos portenhos, mas paulatinamente foi evoluindo até se tornar o inconteste melhor cavalo argentino de sua geração e do ano de 1952. Levado à reprodução, Branding foi superior, produzindo inúmeros animais clássicos, ademais gerou os exportados Cambur, campeão cavalo importado em 1960 na Venezuela e record horse para os 1.800m em La Rinconada; Grace Born que ganhou 6 em 10 saídas na origem, inclusive clássicos, e nos EUA ganhou vários Grandes Prêmios de importância, colocando-se em outros tantos; Brandal, exportado ao Peru foi lá champion por dois anos, ganhando os GPs Internacionais locais. Também no Peru foi posteriormente destacado reprodutor.
IDOMENEU (BRZ), 2000, foi um filho de nosso lendário Much Better na clássica Stratas (Youth), portanto um pedigree francamente estaminado - 1.00 na dosagem de Franco Varola - e fora de moda; singularmente outcrossing por onde se olhe, especialmente para os onipresentes Northern Dancer e Mr.Prospector. Cavalo de excelente porte e imelhorável morfologia, emocionalmente equilibrado, em que pese sua excelente massa muscular obtinha sua melhor performance dos 3.000m em diante: isso neste terceiro milênio da era cristã. Corria na primeira turma a milha e meia, mas nos grandes clássicos não chegava. Seu forte era o grande fundo, onde reinou absoluto na mais longa prova do turfe nacional: o GP Derby Club em 3.500m, nos anos de 2005 e 2006. Idomeneu, criado pelo Haras Tributo À Ópera, após finalizar campanha voltou ao haras natal e ficou meio que “sobrando”. Eu mesmo, apaixonado pelo cavalo, tentei tomá-lo em regalo, mas não tinha estrutura para isso, e pelo que sei o cavalo foi doado a aficionados do litoral do Paraná, onde já deve ter encontrado seu fim.
Todavia, por uma história pra lá de pitoresca e algo “picante”, antes de partir do haras deixaram-no cobrir a Elixir D’Amor, de regular campanha e genes “alongados”, pois era filha de Effervescing. O produto, com ID de nada menos que 0,60, fora uma castanho escura chamada Queen Of Night, nascida em 2008. Levada a campanha pelo próprio criador, e melhorando com a idade, tornou-e atleta do primeiro time na Gávea, vencendo 8 corridas, dentre estas várias Provas Especiais. Também fez placê e se colocou em inúmeras provas de G.2: portanto uma égua clássica, na acepção normativa do termo. Queem Of Night fora o único produto Puro-Sangue gerado por Idomeneo, e ela não parou aí: levada à reprodução gerou o também clássico Albinoni, 2017, que ganhou o Clássico Delegações Turfísticas (L), no ano passado.
Esses são três casos de reprodutores sem campanha ou de menor expressão e que levados a procriar, uma ou mínimas vezes, produziram animais clássicos ou mesmo campeões.
Poderíamos questionar: foi sorte ou pura coincidência? Difícil... no caso de Los Curros então, impossível ter sido apenas sorte. Fico imaginando caso esse semental tivesse servido por longos anos num Ojo de Agua ou Chapadmalal? Ou ainda num Aga Khan ou Fresnay-le-Buffard. Poderia estar entre os grandes patriarcas da história.
Aliás, há uns quinze anos fiz um comparativo estatístico entre Ghadeer e Clackson, e o nosso nacional ganhou longe, se considerado o menor nível das matrizes que cobriu. Pasmem, as filhas de Clackson eram até mais velozes que as do Ghadeer, ainda que Clackson cobrisse as modestas Hang Ten e seu rival as Waldmeister, Locris, etc. em régias linhas maternas. Portanto, já tivemos nosso Galileo subaproveitado, e outros tantos excelentes e de pior sorte.
Aqui mesmo fora do eixo, temos um garanhão chamado Bueno King, do Haras Chiodelli, que produziu dois animais decentemente criados - irmãos inteiros e sem registro - os quais ganharam dois torneios de reta cada um. Um deles invicto, ganhou forte penca e foi levado às cuadreras argentinas. Seria Bueno King um Idomeneo? Para a velocidade me parece... mas continua com minguadas oportunidades. São esses os súbitos golpes de sorte e glória que por vezes a criação do “Genuíno Puro-Sangue de Corridas” por vezes nos aplica, em meio a um oceano de incertezas e profusas decepções.

 

   
     


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